Lucinda, a engenheira: a missão de um pai preocupado
A minha filha coloca um lápis de cera vermelho numa das ranhuras que descobriu na mesinha de plástico de brincar com letras, números e botões para músicas e outros sons, e tenta ver se consegue desenhar e arrastar o botão ao mesmo tempo. Reconheço nela uma curiosidade pelo funcionamento das coisas, um prazer em descobrir como podemos usar o que temos em novos contextos e obter coisas novas, resultados engenhosos e criativos. Sorrio, e o professor, que não consigo deixar de ser, pensa que ela é capaz de se interessar pelas engenharias. Imediatamente me ocorre que esse mundo, mais ainda que que o resto do mundo, é fortemente dominado por homens, muitos deles com muitas certezas nas hierarquias de género, muitos deles produto de um mundo que os faz acreditar e defender a fachada de segurança que esconde os escombros de uma infelicidade solitária, que é de tal maneira ameaçada pelas mulheres de tão transparente que é para elas, que as torna indesejáveis e inoportunas para eles.
Olho para dentro e juro fazer tudo o que for possível para não esmagar a vitalidade límpida desta pequena menina. Luto contra as expectativas desde mundo que encontro cada vez mais hostil para com as mulheres, e preocupo-me com as expectativas que ele tem de que eu adestre este espírito solto e distinto, e que produza uma consciência castrada, à disposição, e feliz na sua diminuição. Só que não há qualquer condição de isto acontecer enquanto a minha consciência respirar, resistir e ativamente combater esta mutilação espiritual instalada. No entanto, preocupa-me que nunca tive consciência desta hostilidade até a minha filha nascer e tenho medo dos automatismos comportamentais que tomam conta de nós, de mim, quando baixamos as defesas e agimos mecanicamente.
Quero que a minha filha ocupe todos os espaços a que tem direito, se for de ocupar, quero que ela aproveite e crie todas as oportunidades que ela quiser, se quiser, e que tenha a possibilidade de realizar os potenciais que ela decidir que são importantes para ela. No entanto, reconheço que o leque de opções que a sociedade lhe reconhece é muito mais limitado do que aquele que ela possui. Isto preocupa-me porque tenho que a preparar para saber quando lutar e quando se remover de uma situação, tenho que a preparar para confrontar e para saber quando não vale a pena, mas tenho que fazer tudo isto sem quebrar a luzinha integra que ela traz. Preciso de encontrar forma de lhe dar perspetiva para que ela possa fazer a sua caminhada, lendo cada uma das vezes em que a vão tentar diminuir, como instâncias de um sistema desigual, que arbitrariamente a considera menor sem nem a conhecer. Isto vai ser essencial para que ela possa sair destas experiências com o espírito intacto, na certeza que não revelam nada sobre ela, simplesmente refletem um sistema injusto e a forma debilitante como educamos os nossos meninos, que crescem para serem os rapazes e os homens débeis deste mundo, uma parcela do que poderiam efetivamente ser. Estas situações vão resultar da frouxidão deles que devem ficar com eles, não vão atestar nada sobre ela ou o seu direito a viver a plenitude das suas capacidades mentais e emocionais na busca pela felicidade de ser em si e de ser em relação aos outros.
Por isso, vou sempre acompanhar as lutas das mulheres que erguem o queixo, vou dar a minha voz, vou exercer o privilégio que a minha masculinidade me traz para falar nos espaços onde elas não podem entrar, vou dizer aos homens que podemos ser melhores do que aquilo que recebemos e podemos fazer mais com o que já temos. Vou falar do meu nojo em todos os lugares onde as mulheres não podem falar, em todas as situações e em todos os contextos, na certeza de que vou falhar, não vou conseguir muito, mas vou conseguir alguma coisa.